12/10/2012 20:50

Crônica para depois de amanhã

 

Imagino que os trinta reais não valem mais que o talão de luz e a falta de um quilo de arroz pro almoço de mundinho, o filho caçula que foi pra escola sem tomar café. Pensando nisso, ela  saiu para as ruas empunhando aquela bandeira com as cores do contragosto, decidida a escorar seu tédio e balançar aquele pedaço de pano com o  olhar desenchavido, a fim de atrair os que ali passavam sem ao menos percebe-la. Afinal todos que passavam já sabiam o que estava escrito e a que cor pertencia aquela pobre criatura, e sabiam ainda que aquilo não era nenhuma proposta política, afinal era só uma bandeirola pálida e mal feita que pouco podia significar além de uma disputa para ver quem colocava mais cores na rua, como se todos os dois em vez de políticos estivessem disputando para ver quem era mais capaz de ser arco-íris.

Mas essa história de ser arco-íris não é por acaso, pois é que desde criança se ouviu falar que lá no fim tem um pote de ouro, seja da saúde, da educação, ou de outro pote público, o que importa é que ouro é ouro, e enricar é preciso mesmo que seja nas costas de quem nasceu para carregar para o fim do arco-íris o pote de ouro para entregar de voto a voto  para o lobo mau (opa, essa história é outra).

Voltando para aquela mulher, eu a olhava lá de dentro da sala de aula, a pobre criatura de Deus, que ali lhe escorria sobre o rosto o suor temperado com a sapequez do sol ardente que lhe ardiam os olhos, mas não impedia de lhe fazer escancarar timidamente um sorriso, o qual dividia a brancura do osso com o pretume das cáries, que de cara representava o que de mais evidente era feito pelo poder público: a falta de assistência odontológica ao povo mais pobre.

A bandeirola na mão ia de lá para cá como quem não quisesse ir, mas era embalada pela lembrança dos trinta reais que receberia no fim da tarde (bem que se fossem cinquenta a bandeira dançava mais rápido, e, cem, era uma festa só), mas, mesmo sem explicação que me viesse, a maldita bandeira parecia não querer  abrir, seria para não mostrar a nudez vergonhosa do número que vestia,  ou por não encontrar um sopro de vento que a fizesse a mínima  cócega que lhe fizesse rir naquela âmbito de tristeza.. Era entediante só de olhar.

Fiquei perplexo. Na calçada eu pude ver que eram muitas dessas mulheres enfileiradas  olhando pro nada e fazendo coisa nenhuma, pelo menos é o que parecia de tão insosso que era aquela falta de paixão pelo que faziam. Mas parece que uma delas falou alguma coisa sobre pão, logo  imaginei que se tratava de fome, pois só pão pressupõe comida. Bem, cruel foi meu engano, pois era mesmo de comida que ela falavam, só que ela tentava passar para as outras um pouco de animo, dizendo-lhes sobre uma cesta que naquela mesma noite ganhariam se fosse todas lá num lugar cujo nome não me vem a memória, mas posso assegurar que  termina com “...pão”. (coisa de eleição, que rima como obra-prima da corrupção).

Melhor nem pensar nesse drama assistido, e bom nem lembrar o descaminho das campanhas politicas cujo tempero agora  são palavrões e injúrias berrados ao microfone, que deixa claro o esvaziamento da cultura e que de projeto ficam órfãos os cidadãos. Em compensação (se é que compensa) a festa da politica já imita  o carnaval de tanta alegoria, onde o povo a tem por um ou dois dias, e o eleito, quatro anos.

Se retirarmos as mulheres tristes e suas bandeirolas das ruas teríamos pessoas dialogando sobre o futuro em vez de serem furtados pela fantasia. Se proibissem os palanques que só conhecem o dicionário proibido, teríamos acesso a ideias e ideais. Se não houvessem tantos carros com laço e fita, o cidadão não seria laçado facilmente. Se o governo começasse a acertar mais, até eu mesmo renderia os meus aplausos.

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